sábado, 11 de junho de 2011

Uma Odisseia à carioca (E Ulisses perdeu a exclusividade)

Sim, eu sei que este é um blog sobre viagens. E não, não alterei isso. Mas, na atual situação dos sistemas de transporte do Rio, o trajeto casa-trabalho-casa costuma durar o equivalente a uma viagem – só que diária e sem o lazer no final do túnel.
Vamos à parte que dói (e pesa) no bolso – o valor das passagens:

Metrô R$ 3,10 (inclui metrô na superfície)
Barca R$ 2,80
Ônibus R$ 2,50 (acabou de aumentar e os preços variam!)
Trem R$ 2,80
Carro R$ depende do trajeto, do combustível e do engarrafamento (as variáveis ficam por sua conta, leitor)

Conversei com duas pessoas que enfrentam o desafio diário de atravessar a cidade para chegar ao local de trabalho e sofrem com o caos que reina no trânsito do Rio.
A assistente administrativa Melina Davies gasta, em média, 4 horas do seu dia no trajeto de Nilópolis ao Leblon, onde trabalha. Sempre de pé e espremida (além de outras coisas mais, cortesia dos moços de mão boba) em conduções lotadas.
Mãe de uma menina de 6 anos, ela lamenta não poder passar mais tempo com a filha, pois sai às 6h30 e chega em casa somente depois das 20h, numa jornada tripla de 13 horas e meia que não termina quando ela volta para o lar. Melina enumera o que faria com o tempo disponível, caso pudesse trabalhar ou morar mais perto: “Eu leria, malharia, levaria minha filha para a escola – viveria.”

Segundo o Google Maps, a distância percorrida por ela é de 45,6 km, o que consumiria 49 minutos (em um mundo ideal). Na realidade ela gasta mais que o dobro em cada etapa da viagem, além de arcar com os custos de R$ 11,10.

Rosana Lopes, secretária executiva, perde 5 horas (e R$ 28,20!) para chegar ao prédio da firma em que trabalha todos os dias. Rosana gostaria de usar as 25 horas semanais que passa entre ônibus e metrô para dormir (“eu passo dormindo o mesmo número de horas que em trânsito!”), malhar e se dar o luxo de poder tomar café devagar. O conselho de morar mais perto do trabalho é financeiramente inviável “Como? Vou pagar R$2500 só de aluguel?”

A solução (ou jeitinho) é tentar realizar o máximo de atividades possível perto do local de trabalho – e haja jogo de cintura para esticar a hora do almoço! A academia? Entra no horário antes do trabalho e só se for pertinho. Dentista? Pula o almoço, marca aquele que aceita o plano e fica na esquina. Não deu para almoçar? Liga para a casa de sucos e vai de sanduba mesmo. E assim segue o jogo de encaixar os blocos de horas para caber tudo em um dia – até dormir!

Por que você não compara e vê o tempo que o Google “poupa” do seu trajeto?

O meu, de apenas 14 km, seria feito em aproximadamente 20 minutos - diferente das 2h40 que (com frequência maior do que eu gostaria) perco em apenas uma "perna" da viagem. Ah, e ao preço módico de R$5,00 por dia (ida e volta).

PELO MUNDO...

Quem não aguenta mais a loucura dos engarrafamentos constantes procura refúgio nos (sempre lotados) metrôs e trens. Para ficar só em um dos exemplos e simplificar nossa vida, foquemos no metrô. Com tarifas altas e a “comodidade” de ser espremido como uma sardinha em lata, o nosso metrô deixa (e muito) a desejar comparado aos de outros locais. Vamos ver algumas iniciativas:

O Metrô RJ foi inaugurado em 1979, com apenas 4,3km de extensão de trilhos. Hoje, nós contamos com 80 carros, que percorrem 46,2 km entre as 45 estações das 2 linhas.

O (não menos lotado) Metrô SP teve a primeira linha inaugurada em 1974, e hoje conta com 900 carros para atender aos 65,3 km de trilhos, que cobrem 58 estações em 4 linhas.

O Metrô de Nova Iorque, um monstro de 1355 km, é o maior em número de estações e rotas. Um dos mais antigos do mundo, foi inaugurado em 1904, e hoje conta “apenas” com 468 estações e 34 linhas. Para ter uma noção de quão gigantesco é o alcance, olhe aqui, caro leitor e fique pasmo – os colegas da Terra do Tio Sam se acham neste emaranhado, enquanto nós confundimos os metrôs quem saem direto para Pavuna ou Saens Peña.

Chegamos ao vovô da história, o Tube de Londres. Inaugurado em 1863, o metrô mais antigo do mundo é o segundo em extensão (perde para o de Shanghai – leia se puder!),com 270 estações distribuídas por 402 km e 11 linhas. Perceba, pois, que a dificuldade em transitar pelas terras dos Beatles é enorme, pois ruas, travessas e avenidas têm o mesmo nome. Imagine: Rua Leticia Rocha, travessa Leticia Rocha e Avenida Leticia Rocha. Com o perdão do narcisismo, é por isso que taxistas por lá têm de passar por provas complicadas para conseguir suas licenças – vá ser difícil de se achar assim lá na Europa.

Vamos para o outro lado do mundo – Tóquio. Os nihonjins são os proprietários do metrô mais utilizado no mundo (sim, a China não leva essa), com 3.160 bilhões de passageiros transportados por ano. E tudo isso com apenas 203.4 km de extensão, que atendem às 168 estações e 9 linhas. Coloquei aqui alguns vídeos que mostram o poder de compactabilidade dos japas – e você que achava que tudo lá era na base de trem-bala, hein?



Mais perto da nossa realidade (enquanto país em desenvolvimento), a iniciativa da Cidade do México dá de goleada no Brasil. Inaugurado em 1969, os hermanos hoje utilizam os 451 km de trilhos distribuídos por 163 estações e 11 linhas. Por favor, olha lá em cima e observe, pois, que a inauguração foi apenas 5 anos antes de São Paulo. E hoje tem quase 400 km a mais de extensão que o da nossa maior cidade.

E DE VOLTA PARA CASA

Bom, eu já contei história triste, já critiquei e mostrei como está a situação de um dos meios de transporte em outros países. Mas e agora, José? Eu não dei nenhuma sugestão ou fiz críticas construtivas. Pois bem, calcemos nossas galochas, pois estamos a adentrar um terreno pantanoso, meus caros – o das medidas paliativas.

Temos exemplos aqui mesmo, em terras tupiniquins, de tentativas de aliviar nossa sofrida odisseia diária até o trabalho e de volta para casa. São Paulo, nossa maior metrópole, implantou algumas delas, como o rodízio por placas de carro, restrição de circulação de veículos pesados, corredores exclusivos para ônibus. A eficácia, no entanto, é limitada. Até porque muitas vezes essas iniciativas são burladas com a compra de mais um carro (!) ou o descumprimento de regras para circulação de veículos.

Outras idéias louváveis perecem em virtude dos mais diversos motivos – o uso de bicicletas, estimulado por diminuir a poluição, escapar do tráfego e promover um estilo de vida saudável, esbarra na falta de ciclovias pelas cidades e a falta de respeito às que existem (normalmente situadas na orla do Rio de Janeiro, por exemplo).

Em terras gringas foram adotadas iniciativas buscando a melhor qualidade do ar (e de vida) dos cidadãos. Metrópoles como Londres adotaram o pedágio urbano. Para entrar no centro da cidade o motorista paga uma taxa de 5 libras/dia, e pode ser multado se tentar burlar esta lei. Com a restrição de circulação, a cidade tenta, além de diminuir a poluição, coletar verba que pode ser destinada para obras de melhoria de transportes públicos e infra-estrutura, por exemplo. E, como bônus, diminuem os acidentes.

Já em Nova Iorque, a Times Square foi fechada permanentemente aos carros desde maio de 2009. Propagandeada como a devolução da área aos pedestres, a iniciativa também recuperou parte do “charme” desta parte “muvucada” da cidade, que pode ser mais bem usufruída pelo turista e pelo morador.

Novas formas de aproveitar o espaço urbano - Fonte: DesignYouTrust.com

Mas todas essas alternativas são exatamente isso – alternativas. Uma forma de sanar o problema é oferecer transporte de massa de qualidade para a população, para que não pareça mais tão atraente colocar seu carro na rua todos os dias, consumindo muito combustível e altas doses de paciência e saúde. Estes últimos, sim, pesam e doem muito mais no bolso do que marcam os postos em suas bombas.